A fronteira, tal como está definida nos dicionários, é sempre o lugar onde termina um território soberano de um país e começa o do outro. A fronteira inscrita nos dicionários está contida na idéia de que ela é o que nos separa do Outro, de sua língua, do seu modo de vida; é uma linha divisória que, ainda que imaginária, nos separa; é aquela que se desenha nas cartografias, separando nada mais que os domínios sobre os territórios.
Lá no dicionário, fronteira é o confim, lugar quase inatingível, fim de tudo ou começo de tudo; lugar periférico, muitas vezes do abandono, do nada.
      No entanto, fronteira é o chão que se fixa nas bordas de um rio, nas cabeceiras de uma ponte, no ponto de saída da balsa, que deixa para trás os que ficam do outro lado, ou leva aqueles que, diariamente, vão e voltam no constante comércio do sustento.
Fronteira é amizade permeada pelas visitas ocasionais, pelo parente que fala outra língua, pela cerveja do domingo trazida do outro lado, pelo ritmo da música da moda, pela enchente que a todos arrasta, pelo mate que se faz e se toma quase igual.
      A fronteira, para o Programa das Escolas Interculturais de Fronteira – PEIF, é o território comum no qual se busca integrar as comunidades fronteiriças, localizadas frente a frente, chamada cidades gêmeas, onde as escolas escolhidas cumprem o papel de se transformarem no espaço que promoverá a integração nas fronteiras.
      O que hoje chamamos de Escolas Interculturais de Fronteira nasceu no ano de 2005, a partir de uma iniciativa do Ministério de Educação da Argentina, que propôs ao Ministério de Educação do Brasil um projeto de ensino bilíngue e intercultural nas zonas de fronteira.
Duas escolas, localizadas uma na fronteira Uruguaiana – Paso de Los Libres, e outra na fronteira de Dionísio Cerqueira - Bernardo de Irigoyen, começaram as atividades do então PEIBF – Projeto Escolas Interculturais Bilíngues de Fronteira nos anos iniciais do ensino fundamental.
A ideia que sempre permeou o modelo desejado de Escola de Fronteira era, primeiramente, um modelo de ensino bilíngue aproveitando as características de convivência e os fluxos já em curso nas fronteiras, ampliando a interação entre as pessoas e a circulação das línguas, sobretudo, no ambiente escolar.
      Para promover e intensificar a presença do português na escola argentina e o espanhol na escola brasileira, o projeto então tinha como modo de funcionamento o “cruce”, um sistema no qual se realizava o intercâmbio de professores, uma a duas vezes por
semana, com objetivo de expor as crianças à língua, assumindo suas atividades no ano escolar equivalente na escola brasileira e na escola argentina. Ou seja, o professor brasileiro passava a desenvolver atividades, planejadas anteriormente, na turma de seu colega argentino e viceversa.Deste modo, o modelo de ensino centrava-se em ensinar na língua e não ensinar a língua ou sobre ela.
      No ano de 2009, ampliaram-se os países participantes do programa, entrando outras fronteiras do Uruguai e da Venezuela.
Nesta época, já havia avançado nas tratativas de alguns acordos entre os representantes de cada país sobre outras questões fundamentais para desenvolvimento do programa, tais como: a metodologia a ser usada no modelo de uma escola bilíngue e intercultural, e o enfoque das atividades, considerando a complexidade linguística e cultural das distintas fronteiras.
      Estes acordos levaram a mudanças do modelo de ensino bilíngue, adotando-se uma metodologia via pesquisa, na qual se desenvolvem projetos estruturados a partir de questões propostas pelos alunos, além do enfoque tornar-se mais intercultural, abandonando a prioridade no bilinguismo centrado no binarismo português-espanhol. No ano de 2012, duas ações têm impacto no programa:
o Brasil aprova uma portaria criando o Programa das Escolas Interculturais de Fronteira, e aprova-se, no MERCOSUL Educacional, um documento orientador para o modelo de Escolas de Fronteira. Neste momento, temos um acordo que é multilateral, o Brasil com esses países passa a ter escolas de Fronteira em alguns municípios das Fronteiras do extremo sul ao norte do país.
Nestes dois últimos anos, o PEIF, cada vez mais, vem articulando-secom a política de Educação Integral do Ministério de Educação. Ele passa a ser um programa importante para desenvolvimento das fronteiras, via o sistema escolar, fazendo parte do conjunto de ações com vistas a ampliar a jornada das crianças na escola, especialmente, nas zonas de fronteira.
      Para acompanhar, assessorar e contribuir com a formação continuada dos professores das Escolas de Fronteira, as universidades públicas federais têm assumido a tarefa de coordenar ações nesse sentido. A Universidade Federal de Santa Maria - UFSM coordena as ações de formação continuada e acompanhamento do PEIF desde 2012. Para qualificar o programa, valorizar a Escola de Fronteira nos municípios de Itaqui, São Borja e Uruguaiana, a coordenação do PEIF tem buscado parcerias junto a outros programas da UFSM.
Neste ano de 2014, o grupo PET-Letras iniciou sua parceria com PEIF para criar um Dicionário Compartilhado da Língua de Fronteira com os alunos das Escolas de Fronteira. Este projeto deverá alçar as Escolas de Fronteira e algo novo na fronteira, mas, ao mesmo tempo, um lugar de dizer a fronteira, significá-la em toda sua beleza e sua amplitude, com suas convergências e divergências, com a complexidade e pluralidade que lhe é própria. Eis que este dicionário nos revela a fronteira que se vive.
Eliana Sturza
Coordenadora do PEIF/UFSM